quinta-feira, julho 06, 2006

V for Vendetta (2005)


Baseado na novela gráfica criada por Alan Moore e David Loyd, “V for Vendetta” segue a história de um homem que se levanta contra um regime totalitário e tenta despertar toda uma população para o acto libertador que procura executar. Porém o conceito “Vendetta” é só por si indicador de que esta não é uma jornada colectiva, tratando-se mais de uma espécie de vingança personalizada.

Por vezes o conceito dilui-se, e “V” age mais como um “Punisher” que outra coisa. Isto já não é vingança, é castigo. Assim, percorremos uma Inglaterra distópica governada por um tirano colorido com os tons do nazismo e um discurso que faz lembrar Bush. Esse regime subsiste devido àquilo que Michael Moore definiu em “Fahrenheit 911 ” como a cultura do medo, algo que nos acompanha desde muito novos. Estes são os tempos do “não comes a sopa vem o papão”, “não usas o aparelho ou o clerasil e ficas feio”, “não tens estudos vais ter um emprego miserável”, “não usas este telemóvel não tens estatuto”, “não usas este creme, vais envelhecer”.

A nossa sociedade vive assim desde tenra idade enraizada nesta cultura do medo, na consequência e castigo (que supostamente a vida nos dá) por não agirmos de tal maneira. E nem vou entrar no campo da religião, pois todos sabemos que o Céu só será para alguns. Nos tempos que correm, e em termos políticos, isso acentua-se cada vez mais.

O World Trade Center veio abaixo e o mundo mudou. Ninguém tem dúvidas disso. O medo agora são os terroristas, as armas biológicas e de destruição maciça. Por causa delas, o regime talibã caiu, o iraquiano também e a seguir será o Irão visado com uma guerra. As liberdades individuais perderam-se e vivemos tempos de escutas, investigações de passados e amizades. A história repete-se e os erros também. É o Mundo. A questão que se coloca nem é a legitimidade desses actos, mas os meios com que se alcançam os fins.

Não há dúvidas que esta nova face do terrorismo, que tem como máscara um Bin Laden, levou os dirigentes mundiais a contornarem os seus princípios. As liberdades individuais foram substituídas por pensamentos conjuntos, sempre a bem da sociedade – mesmo que ela esteja contra isso, pois o sentido democrático, actualmente, cada vez se restringe mais a uma votação de quatro em quatro anos. O sujeito perde-se no meio da multidão. Mas quando todo o mundo está errado, então todo o mundo está certo. A apatia apodera-se das pessoas, cada vez com menos tempo para tudo e fartas de constantes desilusões políticas.

Quando um apático vê a sua segurança em causa, qualquer decisão em torno desta torna-se mais fácil de aceitar. Porém, essa apatia é reversível. É como um dormir acordado, à espera de ser despertado. Tudo depende dos “calos” que são pisados e de alguém que agite as coisas e que mostre que eles não estão sozinhos nos pensamentos.

Neste filme, essa personagem é “V”, um homem que carrega consigo uma máscara de Guy Fawkes, um punhado de facas, e uma quantidade considerável de explosivos. Chegamos então ao ponto mais controverso de “V”, e que reflecte da mesma maneira aquilo que já em cima critiquei. Será que os meios justificam os fins? Será que o terrorismo é justificável e pode ser libertador?

Antes de mais convém definir o que é terrorismo e no que ele se distingue de forças de libertação ou do conceito de guerrilha. Estes termos confundem-se principalmente pelo teor subjectivo que assumem, especialmente nos últimos anos. Assim, normalmente os terroristas são aqueles com os quais não concordamos nos seus princípios e métodos. Já a guerrilha é mais aceitável e louvável, pois defende bons valores e a justiça, normalmente em estados oprimidos.

Xanana era um guerrilheiro, a ETA é terrorista. Este é o pensamento global. Mas este conceito depende sempre daquilo que consideramos como valores ou sentido de justiça. Por isso existem as discrepâncias nos apelidos a dar a cada um dos movimentos insurgentes que vão dando o rosto nos vários pontos do planeta. E no meio disto tudo onde fica “V”? Essa é uma questão que cada um de nós vai ter de dar consoante a sua definições do que é justo e aceitável nas circunstâncias em causa.

Para uns ele é um terrorista como tantos outros. Para outros ele pode ser considerado um modelo a seguir e mesmo um libertador. No filme assim foi, e a individualidade vem ao de cima com o simples retirar de uma máscara também por si controladora e totalitária enquanto as explosões e o fogo de artificio ocorrem.

Mas “V for Vendetta” funciona melhor como tema em debate do que como filme em si. Aparte de ser extremamente energético, o filme segue linhas por vezes demasiado ingénuas, como a daqueles idealistas que não têm uma real dimensão das coisas. Tudo isto tem o seu charme, mas acaba por não ser de todo inteligente, apesar de, por sugestão, ser intelectualmente estimulante. E um potencial blockbuster com algo intelectualmente estimulante é algo muito raro nos dias de hoje.

Escrito pelos manos Wachowski, “V for Vendetta” é assim um filme interessante na temática, ainda que esteja longe de ser profundo. Há algumas ideias que passam de “Matrix” para aqui, tal como a importância do amor, o sacrifício e a individualidade. O lado negro de “V”, muito explícito na novela gráfica, não foi esquecido. Aliás, Alan Moore pediu para retirarem dos créditos do filme o seu nome, pois considerava esta adaptação idiota.

Não há problemas, pois “V” consegue funcionar por si só. Há também uma importante ambiguidade na personagem central, especialmente depois de conhecer Evey (Portman). Nas interpretações destaca-se Natalie Portman, Stephen Rea e John Hurt, que conseguem dar aos seus papéis a força necessária para triunfarem. Hugo Weaving, o agente Smith de “Matrix”, é uma voz, e consegue dar um forte cunho à sua personalidade.

Entende-se porém que James Purefoy tenha abandonado este projecto, pois afinal de contas, este não é um papel que o destacasse minimamente. É sempre preferível fazer filmes directo-para-vídeo, como ele tem feito. Na realização deste trabalho temos James McTeigue, cineasta em estreia, embora tenha sido o primeiro assistente de realização da trilogia "Matrix". O seu trabalho é bastante conseguido, sem grandes exageros, e sem um carácter visual tão imperioso como o trabalho anterior dos Wachowski. Porém, e tratando-se no fundo de uma adaptação de uma novela gráfica, o tom visual não foi descurado.
Apenas não se impõe ao resto, como em “Sin City” acontecia.

O ritmo que McTeigue transmite à obra mantêm-nos sempre em alerta, o que conjugado com o argumento - que nos provoca a querer saber o passo seguinte, faz com que tudo seja muito acessível e de fácil visionamento. E há momentos cómicos e de homenagem que escapam muitas vezes em obras tematicamente controversas. Como por exemplo o programa televisivo onde o ditador-mor era parodiado num estilo Benny Hill. Mas como já disse anteriormente, “V for Vendetta” é um daqueles filmes que ultrapassa a sua natureza técnica, interpretativa e até mesmo no que toca às nítidas diferenças que manifesta em relação à novela gráfica.

O que se destaca realmente é aquilo que transmite, e faz pensar o espectador. Nesse aspecto, o filme vence, ainda que para alcançar um fim siga meios por vezes menos contundentes do que devia…8/10

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