sexta-feira, fevereiro 23, 2007

The Black Dahlia (2006)

A dada altura de “Black Dahlia” de Brian De Palma, o seu protagonista e detective Dwight Bleichert (Josh Hartnett) vê-se compelido a jantar em casa de Madeleine Scott (Hillary Swank), uma das conhecidas da actriz assassinada Elizabeth Short, alcunha Blue Dahlia (Mia Kirschner).

Quando chega a casa daquela, conhece a respectiva família composta pelo pai, escocês aristocrata, a mãe desequilibrada e a filha silenciosa e inteligente. A casa é uma mansão acolhedora em tons de vermelho, muitos objectos de arte e uma enorme lareira. Em planos de pose e apresentação, os membros da família, são-nos dado a conhecer primeiro pela sua figura, quase caricaturada: em delicioso “cluedo” vintage.

Se a esta cena nos referimos é porque ela é sintetizadora do ambiente desta Los Angeles dos anos 40, adaptada no romance neo noir de James Ellroy (“L.A. Confidential”) em que se passa este “Black Dahlia”, esforço noir de De Palma.

Mas desta cena podemos ainda extrair outro importante derivativo para o filme: o seu movimento cinematográfico parte sempre de um enquadramento num “género”, de uma estética “noir” muito carregada, (a pincelar todo o filme, começando pelo título) para só depois, numa espécie de segundo fôlego, se ocupar do drama.

Resultado: sabemos sempre que estamos no noir, (pela voz off do protagonista, pelas femmes fatales, pela investigação da dupla de detectives, pelo cromatismo contrastado); sabemos sempre que estamos “na casa” de De Palma (entre a misogenia e o seu inverso, herança de Hitchcock, pelo universo feminino manipulador, pelo suspense, pelo tema dos duplos: as “duas dalhias”); e só depois vem o dilema de Dwight, algures entre a obsessão pela vítima do assassinato que investiga, a referida dália azul, e o triângulo amoroso formado por ele, o seu parceiro detective Lee Blanchard (Aaron Eckhart) e a namorada deste, Jay (Scarlett Johansson).

Pelo meio, uma investigação dispersa, com demasiadas personagens, demasiados encontros, traumas amorosos, familiares, traições, negócios de droga, corrupção, tudo num todo bizarro, mas cheio de estilo. Como se daqui se extraísse uma lição de catecismo narrativo: não basta assumir uma ampla arborescência de situações, pormenores e em fase convergente, fechar todas as portas que se abriram, num “last minute tie knot”. Mais do que uma sensação de dever cumprido, “Black Dahlia” é uma caminhada eficiente, na qual tudo acaba por fazer sentido, mas que para o espectador resulta em “esforço de redundância”.

Como se algures no caminho tudo fosse esbatido, vago, não existisse tempo para o envolvimento emocional. Pior, também sem lugar para a ambiguidade. Talvez por isso se apelide De Palma de cineasta demasiado cerebral, talvez essa também a razão de “Black Dahlia” ser um objecto de aparências, demasiado longo, apesar de rasar as duas horas.

Talvez tudo isto seja injusto para “Black Dahlia”, mas na verdade esperava-se muito mais de uma adaptação da novela pulp de Ellroy, da realização de De Palma - depois do interessante “Femme Fatale” (e da reconhecida e longa carreira), e sobretudo da adaptação ao cinema de um dos casos que mais intrigou Hollywood dos anos 40: o cruel assassinato da actriz de série B, Betty Ann Short.

Tinha 22 anos quando foi encontrada sem entranhas e sangue, num dos cais do sul de L.A., obtendo na morte parte da fama desejada. Quem sabe, o belíssimo investimento nos ambientes de L.A, dos clubes nocturnos a debitar jazz e lantejoulas, do glamour das mulheres, dos fatos impecáveis dos homens e do fumo dos cigarros, fruto do esforço de Christopher Tandon, Pier-Luigi Basile e Jenny Beavan ; quem sabe, a hipotética colagem demasiado estrita a pormenores da história verídica, tenham contribuído para cortar alguma coerência a um filme que oscila entre os ares de “Twin Peaks” e “Chinatown”.

Curiosamente, em “Black Dahlia”, o excesso tem como sintoma que a personagem sem corpo, a que desde início está desmaterializada na história, produza a impressão mais forte. Mia Kirschner dá-nos, através dos comovedores screen tests da sua personagem, uma Elizabeth Short viva e dorida, incapaz de sair de um undergroud artístico entristecido.

Notem-se também as boas prestações de Hillary Swank, a verdadeira black dahlia, vamp muito negra e só, que representa boa parte do mundo em que estas personagens se movem e um Eckhart eclético e tresloucado, atenuando os altos e baixos do seu protagonismo.

Sinal menos positivo para Josh Hartnett, ainda sem o carisma que merecia Bucky, ou Scarlett como a loura letal, uma mulher reprimida, na sombra. Decididamente, o angélico e fatal não combinam. Posto isto, concluída que está a sua 27ª longa-metragem, passados que estão quase cinquenta anos de carreira, o mistério de Brian De Palma mantém-se e quiçá se adense.

Realizador enigmático, capaz de grandes momentos de cinema, embora quase sempre perseguido por um mas. 6/10

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