Hotel Rwanda (2004)
“Quando todos fecharam os olhos, ele abriu os braços”. É esta a frase chave de “Hotel Rwanda”, um filme que segue a verdadeira história de Paul Rusesabagina. Estamos em 1994 e no Ruanda. Neste país existem dois grandes grupos étnicos; os Hutus e os Tutsi. Os Hutus são a maioria, representando quase 85% da população nacional. Os Tutsis, um antigo povo que há muitos anos ali chegou proveniente da Etiópia, representam 15% do total de habitantes. Como de costume – veja-se a Palestina – a origem do problema começou com a colonização do país por parte dos alemães e posteriormente dos belgas. Mas vamos à história do Ruanda. Originalmente a região era habitada por pigmeus. Mais tarde vieram os Hutus, um povo proveniente da bacia do rio Congo. Por volta do século XV, os tutsis, pastores de grande estatura oriundos da Etiópia, chegam à região e impõem domínio feudal aos hutus, mais numerosos. Em 1885, na Conferência de Berlim, as potências europeias dividem entre si a maior parte do continente africano. A Alemanha fica a tomar conta do Ruanda. Com a derrota alemã na I Guerra Mundial, os belgas ocupam o país e transformam os tutsis na elite que concentra o poder político, económico e militar. Nos anos 50 há um retrocesso e os privilégios vão agora para os Hutus. A razão era clara. Dividir a população e governar sem que houvesse uma unificação contra o poder. Mas em 1959 foi inevitável a revolta dos Hutus contra os Tutsi. Actos bárbaros foram cometidos e diz-se que muitos Tutsis viram as suas pernas cortadas simbolicamente – diz-se que por serem mais altos eram os favorecidos. Numa eleição em 1961 os Hutus ganham e começam as perseguições. Muitos são os tutsis que fogem para os países vizinhos. É assim criado, nesses países, uma frente patriótica constituída por tutsis (Frente Patriótica Ruandesa). Em 1990, essa frente ataca o Norte do Ruanda. A batalha é perdida e o presidente Juvenal Habyarimana continua a controlar o país. Surgem então pequenos grupos de guerrilha que levam o presidente a aprovar o pluripartidarismo – como forma de acalmar a situação. Nova ofensiva Tutsi deita por terra as aspirações de um acordo. O governo massacra tutsis. A FPR massacra Hutus a norte e chega a menos de 30 km de Kigali. Estava lançado o caos, que culminaria em violentos confrontos logo após a morte do presidente Habyarimana - e seu colega do Burundi, Cyprien Ntaryamira, num acidente de aviação. Os eventos de “Hotel Rwanda” são contemporâneos a estes factos. O assassinato do presidente foi a chave para o despoletar da violência entre ambas as facções. Neste aspecto, o filme é bastante unidimensional pois só mostra a violência dos Hutus contra os Tutsis e a sua perspectiva histórica é, quando muito, minimalista. Há porém que ter em conta que o que mais interessava mostrar era a história de um homem, uma família, um Hotel e um grupo de pessoas no meio de um conflito. Paul Rusesabagina (Don Cheadle) era um Hutu moderado, se bem que quando questionado sobre a sua etnia esteja tentado em não diferenciar. Casado com uma Tutsi, Paul era gerente de um luxuoso hotel em Kigali. Quando começaram as perseguições na cidade aos Tutsis e Hutus moderados, Paul acolhe e esconde as pessoas no seu Hotel. Muitas são mesmo trazidas até ele pelo Coronel Olivier (Nick Nolte), responsável pela acções militares da ONU no território. As nações unidas não reagiram a tempo e eram manifestamente uma força ineficaz no território. Há uma fantástica expressão usada por Olivier num diálogo com Paul. “As nações unidas mantém a paz, não fazem a paz”. Repete-se assim a dose que “No Man’s Land” já tinha focado – noutro conflito. Assim, centenas de pessoas refugiam-se no Hotel à vista de todos. Naturalmente o governo e os militares sabiam da situação. Foi o governo que “armou” as milícias que provocariam o massacre. No fundo, foi um pouco como em Timor com os Aitarak. Mas como conseguir que o Hotel continuasse intacto? Antes de mais é importante referir que o estabelecimento era propriedade de um grupo Belga com grande influência. Assim, os proprietários conseguiram que o Governo Francês (que armava os militares Hutu) pressionasse o governo e conseguisse maior protecção. Quando essa protecção estava em risco, havia sempre uma forma de subornar os generais. Bebida, ouro e dinheiro foram algumas das formas com que Paul conseguiu preservar a integridade do Hotel. Assistimos assim à vida destes “refugiados”, mascarados de hóspedes mas classificados como baratas. E por falar em baratas, este era o termo normalmente usado para definir os tutsis. As vozes Hutus estimulavam a violência e pode-se dizer que o seu maior instrumento era a Rádio. Não haja dúvidas que esta é uma história que merece ser contada. Paul funcionou como um Shindler, ou Aristides Sousa Mendes do Ruanda. A forma como conseguiu salvar centenas pessoas de uma morte certa é quase inverosímil. Mas conseguiu-o. Com excelentes actuações de todo o elenco, os maiores louros vão para o casal do filme. Don Cheadle e Sophie Okonedo estão exemplares, num filme com melhor história que argumento e com uma realização bastante humana. Não existem momentos de exploração emocional exagerada e tudo é temperado com elegância, sentimento e suspense. Destaque final para a fabulosa banda sonora que em momentos de fusão perfeita com a bela cinematografia consegue levar o espectador ao desespero e emoção... Um bom filme e uma grande lição de vida ... 8/10
http://www.mgm.com/ua/hotelrwanda/intro.html
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