domingo, setembro 04, 2005

Ray (2004)


Todos os anos há um filme que rouba o lugar de outros mais importantes nos Oscars, principalmente na categoria Melhor Filme. No ano passado foi Seabiscuit, que ficou com a vaga de filmes como o crítico Dogville e o divertidíssimo Kill Bill - Volume 1. Este ano não foi diferente e Ray, cinebiografia de um dos maiores ídolos pop norte-americano de todos os tempos, deixou para trás produções como Eternal Sunshine of the Spotless Mind e The Incredibles e garantiu o seu lugar entre os cinco principais indicados da noite. Mesmo que não seja tão bom como os títulos anteriores, as canções elevaram o que seria um filme normal a um status bem maior. Os erros não podem ser ignorados, mas que é um filme absolutamente agradável, que tem lá os seus erros, mas também diversos acertos.
Para quem já conhece o ídolo, é o ideal. Vai ser sentar na cadeira, cantar as suas músicas e emocionar-se. A força que canções como “I Can't Stop Loving You” e “Unchain My Heart” têm dentro do filme é impressionante, e fica absolutamente fácil de entender que o carisma, somado ao seu colossal talento de criar algo novo e divertido, foram chaves fundamentais para o sucesso mundial. Para quem não conhece, será praticamente impossível ficar indiferente à avalanche de som e imagens fantásticas recriadas pelos envolvidos no projecto. A quase todo momento, você estará imerso naquele mundo mágico do entretenimento contagiantemente sublime.
O grande defeito do filme – e grave, por sinal – é o seu desespero para tentar levar as pessoas às lágrimas. Como se a história por si só não fosse suficiente, o director Taylor Hackford, que antes havia realizado o problemático Proof of Life e o The Devil's Advocate , insere um número intermináveis de flashbacks insuportáveis no meio da trama, que não adicionam em nada ao momento em que eles aparecem e, o pior, quebram vergonhosamente o ritmo da produção. Se o director queria mostrar as origens do personagem, que fizesse isso durante os quinze primeiros minutos iniciais da produção, e não nos melhores momentos da trama. Isso sem falar nas péssimas ilusões que ele tem do seu passado, todas desnecessárias e de péssimo gosto, pois aparecem em momentos totalmente à parte da história, não adicionando em nada ao seu psicológico.
Mas tentando deixar esse grande problema de lado, temos em contraponto uma belíssima evolução no tempo interno da história.Os passos são dados com calma, de degrau em degrau, mostrando desde o começo pobre e necessitado até os dias onde é ovacionado num estádio. Nada vai parecer forçado ou ficar inexplicado do porque ele ser quem era. É o tipo de evolução que, mesmo quem nunca tenha ouvido falar no mestre, conseguirá entender e sentir sua importância.
Uma corajosa opção do filme é não esconder os seus defeitos ou, o que seria pior, tentar mostrá-los como se fosse algo positivo. Sabemos da dependência sexual de Ray Charles, que ama a sua mulher, os seus filhos e preserva a sua casa, mas não consegue ficar sem dormir com alguém durante a estrada; e a pior dependência de todas, a química, que quase o destruiu. O filme, na verdade, gira em torno da sua luta para se livrar das drogas, abrindo e fechando com isso, mas deixando que a boa música dê o tom certo para o recheio do bolo.
Vale a pena lembrar que, quando começou a ser produzido, Ray Charles ainda estava vivo e participou activamente no seu desenvolvimento. Ou seja, não foi o tipo de produção hipócrita que tentou deixar apenas o lado bom exposto, só porque a pessoa em questão ainda estava viva. A nossa simpatia por ele fica ainda maior por entendermos os seus problemas, muito bem apresentados, e reconhecer a sua força de vontade ao tentar sair da situação. Tudo torna o personagem mais orgânico, verosímil.
Ray Charles participou também na preparação de Jamie Foxx, conversando muito com o actor e, com a mais absoluta certeza, sendo peça fundamental para a perfeita construção do personagem. É algo simplesmente absurdo. Em momento algum você se lembra que quem está no écran, é um intérprete, e não o próprio Ray Charles. Não digo isso apenas fisicamente, mas o modo como Foxx se move, sorri, fala... O Oscar para o actor foi um dos mais previsíveis de todos os tempos, mas também um dos mais merecidos. Ele simplesmente se tornou referência para qualquer outra pessoa que vá interpretar alguma personalidade real daqui para a frente.
Ray consegue entender muito bem o mito Ray Charles, que teve a ousadia de misturar música gospel com o pop norte-americano para criar algo novo; que teve grandes nomes da indústria, como Quincy Jones, no seu caminho; que levantou platéias no mundo inteiro com suas músicas, que não deixou as dificuldades da vida, como a cegueira, impedir-lhe de conseguir os seus sonhos; e que conseguiu, acima de tudo, ser exposto como um ser humano. Se não fosse o director querendo aparecer de dez em dez minutos, teríamos uma obra-prima. Difícil vai ser evitar correr para uma loja especializada em CD’s ao final da sessão, atrás de sua cativante trilha sonora. 7/10
http://www.raymovie.com/

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